quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Paraísos


O que é o paraíso? Talvez seja um estado de satisfação quando obtemos alguma vitória. Talvez seja o momento em que o orgasmo transborda de nosso ser. O paraíso poderia ter muitas definições mas a cada dia acho que vivemos mais perto é do inferno. Viver é incômodo já dizia sabiamente Clarice Lispector. Chega o início do ano, chegam os impostos infernais. Contas e mais contas. E se estamos sós, vivemos o inferno astral da solidão e da carência. Hoje, dirigindo, um motorista deu uma banana pra mim pois dei uma buzinada para ele acordar. Eu ri. Não quero um dia infernal. Ontem estava atrás do paraíso. E vi diversos. Paraísos artificiais. Momentâneos. Efêmeros.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

O cantor

Em “My Way” sentiu uma tontura mas cantou até o fim. Há vários dias sentia-se mal e sua magreza já chamava atenção. Alimentava-se mal e até o maestro já tinha-o chamado atenção. Hilton não conseguia mais acompanhar o pique da orquestra. Quase todas as noites havia bailes e o carnaval aproximava-se. No último baile, em “Besame Mucho” tombou desmaiado, assustando os idosos do baile da terceira idade da Sociedade Campestre Estrela.
Acordou no hospital. Ainda não tinha amanhecido. O médico diagnosticou falta de alimentação e anemia profunda. O maestro deu-lhe uma licença e Hilton voltou para casa. A mãe recebeu-o cheio de caldos e comidinhas. Preocupou-se com o estado do filho. O pai aconselhou-o a comer mais. Fazia tempo que não parava em casa e aqueles carinhos todos foram muito bons. Carinho de mãe não é igual.
Fizera todos os exames. A pele estava coberta de manchas. Usava camisas de mangas compridas para não verem, mesmo que a temperatura fizesse 40 graus. O último médico, sem um diagnóstico conclusivo, pedira um exame de HIV. Um medo que tirava-o o sono e o resto do apetite tomara-lhe conta. Tivera algumas relações homossexuais, algumas até irresponsáveis, mas sempre se cuidara.
O envelope tremia em suas mãos. O suor banhava-o. A moça do laboratório sabia o resultado que havia naquele envelope. Convidou-o a uma outra sala. Dera-lhe um calmante. Hilton tremia e uma sensação de solidão tomara-lhe o espírito. A moça, muito carinhosa, conversou longamente com ele. Passou-lhe uma folha com nome de alguns médicos e o que ele devia fazer nos próximos dias. Hilton ouvira e concordara com ela. Iria procurar o melhor médico. Não era o fim do mundo. Ninguém morria mais de Aids. Morria de ignorância. De repente, uma onda de tristeza tomou conta e iniciou um choro longo. Precisava falar, se não explodiria. A moça que não sabia o nome ouviu tudo e abraçou-o. o choro aliviou-lhe a tensão e levantou-se para ir para casa. Prometeu ligar para a moça. Para Cláudia. Saiu.
Andou algum tempo até pegar o ônibus mas antes parou num mercadinho. Chegou em casa sorridente. A mãe estranhara-lhe o bom humor. Mas nada comentou. Hilton pedira para não ser incomodado porque iria dormir um pouco. Tomou um banho demorado e trancou-se no quarto. Escreveu uma carta e abriu a janela. Ventava. Despediu-se do vento. Picotou o exame em muitos pedaços e jogou-os pela janela. A carta fora levada pelo vento para debaixo da cama. Pegou o veneno para rato e misturou num copo de suco que a mãe preparara com carinho. Tomou tudo de um gole. Aos poucos, tudo em seu estômago passou a queimar. Um grito foi ouvido do quarto. A mãe não tinha certeza se ouvira realmente um grito mas bateu na porta do quarto. Ouviu uns gemidos. A porta não estava trancada. Abriu. Hilton retorcia-se no chão. Não conseguia falar. Estava morrendo. A mãe gritara pelo pai, que veio andando lentamente, porém aflito. Deparou com uma cena de Pietá no quarto do filho. Fez um esforço sobre-humano e correu para o telefone. Uma ambulância. Quando os para-médicos chegaram ainda tentaram uma lavagem estomacal mas o veneno fora mais rápido. Os gritos de uma dor atroz foram o último canto de Hilton. Os pais ficaram em estado de choque. Fecharam o quarto e foram passar um tempo com o filho mais velho em outra cidade.
Alguns meses mais tarde, o quarto de Hilton fora reaberto pela cunhada, que encontrou a última carta debaixo da cama. Abriu e leu:
“Queridos pais,
Perdão. Desisti de viver. Amo vocês. Queria ter sido o engenheiro que papai queria. Queria ter sido o advogado que mamãe queria. Mas fui estudar canto, que era o que queria. A vida me levou por caminhos que me mostraram o lado negro das coisas. Não vou mais viver. Por favor, não sofram. Apenas desisti de viver. Com amor, Hilton.”
“Egoísta” sussurrara a cunhada. Guardou a carta no bolsa e mais tarde queimou-lhe. Não faria os sogros sofrerem mais. Para ela, todo suicida era egoísta. A família ainda sofria. A casa foi vendida alguns meses mais tarde.

domingo, 20 de janeiro de 2008

SEGREDOS E MENTIRAS NAS AMIZADES EFÊMERAS


Cada dia desperto com maior surpresa para o mundo. Ou não.Vivemos entre segredos e mentiras. Quem é mais hipócrita? Aquele conta um segredo não tão segredo assim, ou aquele que fez parte e criou um segredo? Senhoras e senhores, eu vou confessar a límpida e exata verdade histórica: somos todos hipócritas. Quem são nossos amigos? São aqueles que nos traem pelas costas? São aqueles que comem na nossa mesa e mijam nos nossos banheiros? Eu tenho fama de falar demais. É verdade. Mas ninguém poderá dizer que sou hipócrita. Meus segredos são públicos. Eu sou público. Não tenho o direito de contar nada a ninguém. Por falar sem pensar, naquelas provocações cotidianas, de repente, “soltamos uma pérola”. Que sociedade medíocre a nossa realmente. Sou medíocre então. Mas não o maior de todos. Irei partir. Se restar só um amigo, irei feliz. Será um amigo para contrariar a máxima que não temos amigos. Então terei um. Espero que não medíocre e hipócrita como eu. Eu não fico com “amigas” de amigos. E se desejo um doce que o vizinho fez, eu falo em alto e bom som que quero aquele doce. Não vou comer escondido o doce do vizinho, que por sua vez já tinha comigo o doce de um colega, que por sua vez já tinha saboreado os doces de muita gente. Muitas formas de amar. Carências. Eu sou o pecado. Joguem todas as pedras. Mas cuidado. Algumas podem voltar. Me digam ai quem é meu amigo. Posso ter defeitos mas tenho qualidades. Mas tenho grandes defeitos. Ai, as pedras. Vamos ver quantas amizades são efêmeras. Quantas pedras teremos no caminho.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Estar só.


Quando perdemos o amor próprio começamos nossa maior derrocada. Conversando com uma amiga, fiquei a pensar no que é necessário para sermos felizes. Ela me disse que não precisamos além de nós mesmos para sermos felizes. Fiquei a pensar. Ela não deixa de ter razão. Muitas vezes, devido às carências e fragilidades nos tornamos infelizes porque achamos que para alcançarmos a felicidade temos que estar com alguém. Sim, é ótimo estar com alguém mas nem sempre é a solução para nossos problemas afetivos. Começo a pensar que sozinho não é tão ruim assim. Não é o ideal mas que tem suas vantagens tem. Vou pensar mais.

sábado, 5 de janeiro de 2008

COISAS QUE PERDEMOS NO CAMINHO


Ontem, indo ao cinema, vi , me vi, me senti, senti. Era o clima de violência. Não foi nada mas ao meu lado o ronda do quarteirão parando um carro e os policiais saindo de arma em punho gritando: mãos ao alto! Não fiquei parado esperando o desfecho. Acelerei. Estava em cima da hora para ir ao cinema com uma amiga. Não sabíamos que filme veríamos e escolhemos um ao acaso. Doce acaso. Chorei. Ando chorando demais. Uma certa fragilidade de quem vai se despedir das coisas cotidianas de Fortaleza. Mas chorei pela sensibilidade do filme. Falava de perdas e de amizades verdadeiras. Quantas amizades eu sustentei e sustento com esforço. E quantas não dão valor a minha amizade. Saí do filme com uma vontade enorme de escrever e pensar nas perdas e nos amigos. Filmeterapia. Quantas coisas não perdemos no caminho. Quantas coisas não perdemos no fogo. Preciso listar algumas perdas para ver se recupero algo. Algo que só eu sei.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

O AMOR NOS TEMPOS DE HOJE


“O amor é o calor que aquece a alma” já cantava o Jquest. Esses dias assistindo “O amor nos tempos de cólera” refleti muito sobe o amor. Os homens estão perdendo a magia dessa palavra pois estamos vivendo num mundo onde as emoções passageiras estão sendo prioridade. Eu não sou assim. Não sei o que se passa comigo. Não sou nenhum santo, mas cada dia que passa, até nos lugares mais esdrúxulos onde a emoção-tesão é maior que a razão, me sinto perdido. Pessoas tão vazias. Sou do tipo que manda flores, escreve poemas, mas as vezes me sinto tão frágil, tão suscetível a quebrar a cara com as carências que nos fazem cometer loucuras. E quando olho ao meu redor vejo que não é só eu. Mas ainda acredito no amor. Acredito demais. Por que não? Isso me acalma quando chego em casa e me deito abraçado com meu travesseiro solitário. A vida também é feita de escolhas. Já fiz péssimas escolhas. Mas também tive o privilégio de ser amado e amar pessoas fantásticas que me dão a certeza que vale a pena continuar nessa busca. Cada dia mais me preparo para o grande desafio da vida: envelhecer sozinho. Nem todos vamos casar e ter filhos. É a vida. Tem gente que se ilude com isso. Pior é ver tantos jovens, sofrendo tão cedo e nem viveram ainda o bastante. Não sabem como realmente a vida funciona. Só aprende-se a viver, vivendo.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

O REVEILLON DE ROUPA NOVA

Eu nunca gostei de reveillons. São tantas promessas que não vão ser cumpridas e uma fraternidade universal que as vezes soa falsa. Mas esse ano eu fui parar o Náutico Atlético Cearense graças a uma amiga que resolveu me tirar da depressão de fim de ano. Eu não tinha um tostão mas aceitei o convite de ir a um dos clubes mais elegantes da cidade. Era o reveillon com Roupa Nova, aquela banda que canta tanto o amor. Logo eu, que sofro de amor compulsivo, iria sofrer mais ainda. Mas lá fui eu pegar minha amiga e uns amigos e fomos a festa. Ate de roupa nova eu estava. Minha amiga me recriminou pois tinha jantado com minha mãe e que não deveria ter feito isso pois na festa teria buffet livre. Bem, o trânsito foi tranqüilo e chegamos cedo. Mudaram nossa mesa quase para trás do palco. Minha amiga, revoltada, foi brigar e arranjar outra mesa. A organização não estava nem aí. Mas que organização?Findamos por ocupar uma mesa ótima e vi o show bem pertinho. Pulei, dancei, ri muito. E o buffet? Bem, a comida logo acabou e gerou revolta para quem não tinha jantado. Venderam 2 mil ingressos e contrataram um buffet pra 100 pessoas. Eita pobreza. Todo mundo bebendo e com fome. Que festa chic essa do Náutico.Minha amiga ficou chateada. Só sobrou farofa e umas poucas frutas. Revolta total. Alguém chamou a polícia. E soube que a banda ameaçou não cantar pois achou o palco muito pequeno. Bem, eu me diverti. Ri. Ate chorei mas ninguém viu. Ri demais das peruas. Tinha ate gente usando vestido feito com tecido de toalha. Bem criativo. E não choveu. Sobrevivi a mais um reveillon. Amem.