quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Nu de mim mesmo


Quarta-feira de cinzas. Chove. A lembrança de um mendigo que parecia bêbado e também doente me veio à cabeça. Era sábado de carnaval. Foi tudo muito rápido, a caminho do teatro. Estava dentro do carro e em segundos que o veículo parou no sinal, assisti tudo. Ele tinha um tumor enorme no rosto. Depois fiquei me sentindo mal pois poderia ter descido do carro e ajudado aquele ser. Nada fiz.Uma mulher o xingava e ameaçava chamar a polícia para que ele saísse daquela esquina. Como se a esquina fosse dela. Talvez a figura com o rosto deformado a estivesse incomodando demais. Um retrato seu por dentro? Quantos, tão belos por fora, tão feios por dentro, vestem-se de máscaras sociais. Segui o caminho das horas e fui ao teatro. Exercício de paciência. Por que cada vez mais os grupos teatrais esquecem de que o público tem que se ser tocado numa encenação? Quase quatro horas de pura masturbação cênica. Sabia que a peça era longa e achei que seria uma grande encenação. Mas nada acontecia. Não só me incomodei como meu corpo reagiu: cãibra, dor de ouvido e dor nas costas. Juro que tentei entender e fiquei nu de conceitos pré-estabelecidos sobre a montagem. No fim, nem vieram receber os aplausos. O carnaval foi tranqüilo. Fiz bobó de camarão para uns amigos. Sempre fui de apreciar de longe as folias. Sou meio parado mesmo. Lembranças de Maiakovski. Fiquei nu de mim mesmo.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Quem quer ser milionário?


Acaba de passar da meia-noite e talvez eu não seja mais um dos milionários da megasena. Mas eu joguei. Acabei de assistir “Quem quer ser milionário?”, um dos filmes candidatos ao Oscar. A história se passa na Índia. Me senti um milionário. Revi a trajetória de meus pais e de muitos outros no filme. Minha mãe, vinda do interior do amazonas, mais velha de 10 irmãos. Vendia banana frita na praça e cafezinho para ajudar minha avó. Meu pai, vindo do interior do Ceará, orfão logo cedo, foi mais um nordestino que enfrentou as enchadas e estradas. Ambos de famílias paupérrimas, sem muitas perspectivas. Não foram favelados, como no filme, mas não gozaram do luxo nem do desperdício, como eu e meu irmão gozamos. Mas recebemos valores que nos tornaram milionários. Há muito o que refletir quando vemos o mundo ao nosso redor. Um avião caíu no Rio Manacapuru ontem. Tentei saber notícias do meu irmão, que vive voando pela bacia amazônica. Está bem. Aproveitei e pedi que me desse de presente um molho de pimenta dos bons. Podia ser um carro mas um bom molho já basta. Ao cair da tarde, choveu muito e sempre adoro ficar deitado, ouvindo a chuva. Minha mãe dizia que, enquanto eu me deleitava com a chuva, pobres miseráveis em barracos não dormiam com seus tetos flagelados. Sou um milionário. Recebi não só uma educação primorosa, mas bens que me acompanharão até a morte. Quando lembro de alguns favelados milionários de nossa sociedade, principalmente aqueles do congresso nacional, tenho que acreditar em outras vidas. Tenho que acreditar que eles renascerão em nossas favelas maravilhosas, mas se não forem maravilhosas o suficiente, pois político é exigente, ainda há as favelas indianas de Munbai. Quem quer ser milionário?