sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Águas dolorosas


Muito triste o noticiário sobre Blumenau, onde morei quatro anos. Ver as fotos de tantos lugares onde passei, casas que eu via no caminho, tudo destruído. O rio sempre causou temor quando vivia lá. Ao acaso, vendo fotos da enchente, tinha uma da rua onde morava, tomada pelas águas. Chorei pelas dores das pessoas que conhecia e desconhecia. Minha família materna criou-se nos brejos amazônicos, acostumados a grandes enchentes dos rios. Cresci numa cidade acreana acostumada com alagações. Mas só vi desespero de perto em Blumenau. Tudo se reconstrói materialmente. Mas as perdas humanas são terríveis, podendo nunca serem superadas. A sede, a fome,são os piores flagelos destes dias. O cenário, já não bastava ser apocalíptico, ainda vemos pessoas diabólicas que vão roubar as casas abandonadas na evacuação. Saques em supermercados. Passar fome depois de tantas dores é uma dor sem precedentes tendo em vista a riqueza de poucos que exploram a maioria. Não estamos na África, tão mais suscetível ao caos, mas quem está livre dessas misérias? Cada um pode fazer sua parte. Estão aceitando doações. É dando que se recebe.

domingo, 16 de novembro de 2008

O caminho para Meca


Ontem fiquei pensando no meu caminho para Meca. Está tão longe. Fiquei pensando em Cleyde Yáconis, com sua interpretação delicada e emocionante de uma artista caminhando para Meca. Lembrou-me Bette Davis, sempre precisa. Lembrei-me dos últimos dias de meu pai, precocemente envelhecido, esperando a morte. O teatro tem essa capacidade maravilhosa, quando bem feito, de nos transportar e fazer refletir sobre a vida e sobre nós mesmos. Conheci Athol Fugard vendo um amigo em cena, na Bahia, em “Mestre Haroldo e os Meninos”. Foi um contato difícil com o autor. Era a estréia.Uma peça longa, que custou a me conquistar, mas quando tomou conta de mim, fui possuído. “O caminho para Meca” foi diferente. Esperava me emocionar nas entrelinhas. Tinha lido a biografia de Cleyde. Sabia que iria ver uma das maiores atrizes do teatro brasileiro. Não vi Cacilda em vida, mas vi Cleyde. Vi Helen Martins. Ellen Martins é minha irmã. Uma coincidência. Cleyde-Helen é uma vela que não se apagará no meu caminho. Um dia eu chego à Meca.

domingo, 9 de novembro de 2008

Quando um ator morre!

Algumas vezes na vida, me arrependo de ter sido ator e de amar tanto o teatro. Isso acontece quando assisto um ator desvirtuar o labor teatral, demonstrando que não basta ter um rosto bonitinho ou ser global para merecer meu respeito e ser considerado um bom ator. Não sou dos mais exigentes como público. Pago um ingresso para me emocionar ou me divertir. Costumo dar grandes descontos tendo em vista as dificuldades que nós artistas passamos. Mas terminada a semana, posso comparar ao que vi ontem a noite, a peça “O imperador e Galileu”, montagem cheia de patrocinadores e apoiadores e com o ator global Caco Ciocler, com duas montagens da mostra de dramaturgia nordestina, “Como nasce um cabra da peste” e “Os lesados”,que ocorre esse mês. O nordeste deu um show e me emocionou muito, seja pelo talento, seja pela garra. A peça “Galileu e o imperador” é um caco. Tem todas as qualidades técnicas, como um figurino criativo e bem executado, luzes, cenários mas peca pela falta de atores bons. Mas era Ibsen, e tentei dar uma chance a montagem. Tentei me envolver, e não dormi, pasmem. Mas no momento clímax, o imperador agoniza, o ator “Aos Cacos Ciocler”, diz a barbaridade: “Gente, não posso morrer de braguilha aberta’”. Quis sacar um fuzil e metralhar ele. Me senti roubado, pois até ali tinha dado todos as chances para que a peça me conquistasse, e nem ía ser tão rigoroso com minha opnião. Mas foi o fim literalmente. E uma amiga diz: “Ah, ator da globo pode”. Pode? Bem, nem tinha meia platéia ontem. Depois ator reclama da falta de público. Pior do que a ausência de público é a falta de preparo do ator. Será que tudo aconteceu por que ele alizou o cabelo? Morra Caco Ciocler.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Há tempos-do vazio ou não vazio da arte à violência dos atos


“Parece cocaína mas é só tristeza. Talvez tua cidade. Muitos temores nascem do cansaço e da solidão. Descompasso, desperdício, herdeiros são agora da virtude que perdemos...”Lembrei dessa música ao relembrar o dia de ontem. Por duas vezes, vi armas empunhadas, há poucos metros. É cruel pensar que vivemos sob o signo da violência urbana e cotidiana. As manchetes priorizam a animalidade humana. Há muitos anos, quase na Ipiranga com São João, presenciei de camarote, da janela de um hotel, a perseguição pela polícia atrás de um carro. Muitos tiros foram dados. Tenho que acreditar que vivemos o tão falado apocalipse. Dia a dia ele acontece. Mata-se por qualquer razão. Ou melhor, mata-se muito sem nenhuma razão. Um amigo quer fazer um documentário sobre os imigrantes cearenses e pediu para pensar sobre São Paulo. O apóstolo Paulo deve se envergonhar de dar nome à uma das maiores cidades do mundo. Mas nem tudo é o cheiro ruim das marginais, nem a droga que corre solta na burguesia que fede. Há milhares de pessoas tentanto construir seu futuro, num vai-e-vem contínuo. Há calor humano. Há muita arte de peso nos teatros e galerias. Ou não há arte nenhuma numa bienal que destaca o vazio. Tantos vazios. Apesar de tudo, gosto mais de viver aqui do que não viver, apesar dos pesares. “Os sonhos vêm e os sonhos vão e o resto é imperfeito...”.