terça-feira, 31 de março de 2009

Cenas de um casamento - O vestido


Sempre dizia que o último vestido de noiva que faria na vida seria o da minha irmã. Levei quatro meses elaborando e costurando o modelo. Queria um modelo clássico, sem modismos, que valorizasse a beleza dela, que tem um porte alto e elegante. Sabia que iria trabalhar com renda francesa. Sabia que mamãe iria dar palpites. Para evitar conflitos, encomendei um manequim com as medidas e trabalhei na técnica da moulage, que gosto muito e da qual sou professor. Em janeiro, levei-o para provar em Fortaleza e trouxe-o de volta para São Paulo, onde terminei-o alguns dias antes da cerimônia. O véu, com quatro metros, costurei-o na madrugada da viagem. O vestido ficou perfeito. Acrescentei-o uma cauda de tulle francês de 3 metros. Tinha que ter cauda para ter majestade. E ainda luvas grandes, até os cutuvelos. Foi muito emocionante para mim esse vestido. Minha mãe, no princípio, não pôs muito crédito que eu o faria e terminasse no prazo. Até ligou para minha casa para investigar se ele estava pronto. Enfim, no dia do casamento, fui levá-lo para vestir a noiva. Quando ela vestiu, tive um dos piores choques que um estilista poderia ter: na beira do vestido havia uma mancha de graxa de carro. Provavelmente tinha sujado-o quando retirei-o do carro. Meu coração doeu e meu stress foi às alturas. Uma vontade de chorar me abateu. Mas fui iluminado e corri em casa, peguei o resto da renda que havia trazido para doar à minha mãe e bordei-a por cima da mancha, escondendo-a. De todos os estresses, esse foi um dos maiores da minha vida. Só sei que, quando minha irmã chegou para a cerimônia, esqueceu o bouquet em casa. E toda noiva atrasa. E esse foi o vestido da minha vida. Já posso morrer em paz.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Brasis e Traipu

Ontem, assistindo televisão, vi uma matéria sobre algumas cidades brasileiras com baixo desenvolvimento humano. Emocionou-me a história da mãe de Traipu, cheia de filhos, que no almoço faz feijão aguado e comem com farinha. No jantar, arroz com feijão. Em dias de luxo, fazem uma água com caldo de galinha e misturam com arroz. É mais uma família nos milhões de miseráveis desse Brasil. Brasis. Não é revoltante ser rico, mas é revoltante como as riquezas são empregadas. É humilhante ver o que os políticos não fazem por nosso país, por nossos miseráveis, ou o que nós mesmos não fazemos. E aquela mãe de Traipu diz que o sonho da filha é ter uma boneca que chora. Sonho que não tardará a ser realizado, pois é simples, mas mudar a mentalidade dos governantes é algo que ainda não podemos prever. Complexo demais. Constroem-se castelos para nada. Castelos de areia. Não somos mais escravos que construimos pirâmides, mas somos escravos que construimos um país através de impostos e alimentamos os faraós de Brasília. O bolsa-família salva alguns brasileiros, mas por outro lado, atrela o voto às oligarquias e vira moeda nas prefeituras. Poderia listar os muitos males de nossos brasis, mas só me entristeceria mais. Um dia tudo mudará. A história mostra. Nenhuma múmia ressuscitou. A miséria humana um dia acabará? Tudo é passageiro. Menos o motorista e o cobrador.