quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Sem resposta


Ouviu alguém rezando baixinho. Os olhos pesavam. Sentia-se fraco, sem forças. Abriu os olhos. Ficou observando o teto. Olhou o braço e havia um scalps na veia. Lembrou de tudo. Um sentimento de vazio, inutilidade, raiva. Lágrimas rolaram e puxou por fim o soro da veia. Tentou levantar-se. Queria jogar-se pelas janela, mas não conseguiu. Uma tonteira o derrubou. Sua mãe , que estava ao lado, saiu de sua oração com o susto e gritou por ajuda, correndo para o filho. A enfermeira chegou e ajudou a pô-lo na cama entre lágrimas de felicidade e tristeza. O filho deixou-se levar. Nenhuma palavra. Nenhum questionamento. Nenhuma resposta. Não queria mais ver ninguém. Nem as lágrimas maternas o comoveram. O único desejo era morrer. Não queria mais pensar em futuro. Somente o nada. Passaram algumas semanas. Os médicos deram alta. Não podia viver mais só. A mãe passou a vigiá-lo 24 horas. Mal comia. Se não deixavam ele cometer suicídio, decidiu morrer de fome. A mãe chorava escondida pelos cantos de casa, sentindo-se culpada e arrependida por algo que teria feito mas que não sabia o que. Os amigos do trabalho, no início, ainda procuraram visitá-lo no hospital, saber notícias, tudo inútil como todas as vezes. A família também apareceu, mas como veio, partiu ligeiramente. Todos tinham seus doentes para cuidar. Só queriam matar a curiosidade mesmo. Notícias ruins sempre corriam e serviam para abastecer as rodas familiares. Mas dessa vez, foi inútil. No banco, era funcionário exemplar. Não era chegado às aventuras. Tivera poucas namoradas. Não era também de noitadas. Sempre chegava cedo em casa pois a mãe ficava esperando, como todo filho único de mãe zelosa. Muito cogitou-se mais nada. Ninguém tinha uma explicação. Chegou a um ponto que foi necessário interná-lo de novo. Alimentava-se por sonda. A mãe envelhecera 30 anos em 6 meses que durava esse tormento, nesse silêncio. Estava enlouquecendo aos poucos de dor e depressão. Agora eram dois doentes. Procurara muitas opções e achara algumas culpas pelo estado do filho. Precisava de um motivo e agarrara-se a um que achou mais conveniente. Não suportaria ver o filho morrer. Tinha que morrer também. E foi fácil. Um dia driblou as enfermeiras e saiu do hospital. Um carro atravessou seu caminho e despedaçou-a. Procurou um fim para sua culpa e achou. Ele ainda abria os olhos. A respiração ofegante. Apareceram uns familiares. Sussurram os últimos acontecimentos . Um primo mais exaltado gritou que ele era o culpado pela morte da tia. Foram todos retirados do quarto. O silêncio voltara. O inferno que não acabava. A fraqueza era tanta mas abria os olhos. Parecia que sua provação era observar o teto, um mundo branco que acendia-se e apagava-se na lâmpada do quarto.
Um dia, uma visita. Um homem. Louro, alto. As enfermeiras acharam-no delicado e elegante.Tinha uma aliança na mão esquerda .Nunca aparecera antes. Explicara que era um primo distante. Morava em outra cidade. Aproximara-se do doente. Uma tristeza invadiu seu ser. Lágrimas.Tocou-lhe a mão. Estava fria. Fez um carinho. Os olhos quase mortos abriram-se. Um calor reanimou um pouco seu corpo e consegui apertar a mão do desconhecido. Queria falar e não conseguia mais. Lágrimas. Ambos choravam. Uma enfermeira que passava parou e observava a cena. O visitante abaixou e disse algo no moribundo ouvido, quase aos prantos. E saiu de súbito, atropleando a enfermeira que congelara na porta. Alberto entrou em coma depois dessa visita e morreu semanas depois de parada cardio respiratória e desnutrição crônica. No enterro, poucos parentes e alguns colegas que o estimaram em vida e foram avisados no banco. Um médico que simpatizava com ele também acompanhou o cortejo. Ao seu lado, no túmulo, sua mãe. Juntos de novo.

Um comentário:

Livia Luzete disse...

Mórbido, triste, possível,REAL!!! Adorei!