quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

LISA

No penúltimo diagnóstico, teria dois anos de vida. Lisa ficara muito abalada. O câncer fora fulminante em sua vida. Tinha 27 anos e um filho de cinco anos. Estava separada há pouco mais de um ano e tinha uma relação de amizade com seu ex-companheiro. Mas a dor nos últimos dias piorara e tornara-se completamente dependente da morfina. Nos últimos dias, recebera a visita de alguns parentes a pedido da mãe. Queriam ajudá-la mas ela foi categórica em recusar qualquer ajuda. Não queria separar-se do pequeno Antônio e afastara qualquer hipótese de mudar-se para o hospital. Continuaria a visitar a mãe todos os dias e a levar seu filho à escola. E assim foram se passando os dias. As doses de morfina foram ficando cada vez maiores. Mais uma visita ao Dr. Mendes e tinha agora seis meses de vida segundo o último diagnóstico do médico. A idéia do fim não a assustava e sim ficar sem o filho. Então resolveu não separar-se nunca mais do pequeno Antônio.
Acordara naqueles dias com dores quase sem controle mas levantou-se e acordou o filho. Teriam um dia bonito. Preparou o café do filhote e ajudou-o a vestir-se. O menino não queria usar o agasalho mas insistira pois estava esfriando naquela época do ano. A criança ficara muito feliz quando soubera para onde iriam. Brincaram durante horas nos brinquedos e depois foram a um shopping center. Compraram muitos presentes para o natal que aproximava-se. Lancharam. Já estava anoitecendo quando pegaram um táxi e foram para casa. Estava tarde e logo que chegaram, Lisa mandou seu filho preparar-se para dormir. O menino obedeceu. A dor estava tomando Lisa por completo e ela começou a preparar um coquetel para Antônio dormir. Misturou vários de seus remédios com morfina. Antônio bebeu tudo sem reclamar. Achou o gosto ruim e fez algumas caretas. A mãe ainda contou uma história antes que a criança adormecesse.
Lisa escreveu algumas cartas e uma especial para seu ex-marido. Deixou-as sobre o piano e foi para casa materna. Sabia que a mãe chegaria tarde e que era dia de bingo com as amigas. Tinha a chave e entrou. Percorreu vários cômodos onde crescera e foi despedindo-se de cada um. Pegou alguns álbuns e folheou. Algums lembranças e lágrimas surgiram. Observou que mãe ainda conservava um porta-retratos do dia de seu casamento. Deixou uma carta ali. E foi para o banheiro.
Passavam das 23 horas quando Dona Clóris chegou em casa. A noite esfriara e estava morta de cansada. Não fora uma noite de sorte no bingo. Encontrou as luzes acesas e viu os sapatos de Lisa na entrada e chamou pela filha. Nenhuma resposta. Saiu procurando Lisa e viu que havia alguém no banheiro pois estava com a luz acesa e a porta fechada. Chamou mais uma vez pela filha. Nada. Bateu mais forte na porta. Silêncio. Tentou forçar a porta mas sua bursite não permitiu. Saiu apressada e pediu ajuda ao um vizinho. Enquanto o vizinho tentava arrombar a porta, reparou em um envelope branco junto ao retrato do casamento da filha. Pegou-o e um estranho pressentimento tomou-a. Nesse momento a porta do banheiro foi arrombada e o vizinho deu um grito. Dona Clóris parou, congelada na porta. A filha jazia, caída no solo do banheiro. Cortara os pulsos e o sangue já não jorrava mais nos pulsos. Desmaiou.
O pequeno Antônio dormiu para sempre. O pai chorou longamente sobre o corpo do filho e não quisera ler a carta que Lisa deixara. Não a perdoava. Fora um bom marido e sofrera muito com a separação, que ela pedira. E agora aquele ato. Aquela violência. Precisaram medicá-lo para que o enterro do menino fosse feito. Os presentes de natal ficariam esperando na árvore.
Lisa fora velada pela mãe e alguns parentes. Não fora enterrada junto ao filho como era seu último desejo. Mas estaria para sempre com ele. O que foi em vida, seria em morte.

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