sexta-feira, 9 de abril de 2010

Amar


Amar
Que pode uma criatura senão,senão entre criaturas, amar?amar e esquecer,amar e malamar,amar, desamar, amar?sempre, e até de olhos vidrados, amar?Que pode, pergunto, o ser amorososozinho, em rotação universal, senãorodar também, e amar?amar o que o mar traz à praia,o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?Amar solenemente as palmas do deserto,o que é entrega ou adoração expectante,e amar o inóspito, o áspero,um vaso sem flor, um chão de ferro,e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.Este o nosso destino: amor sem conta,distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,doação ilimitada a uma completa ingratidão,e na concha vazia do amor a procura medrosa,paciente, de mais e mais amor.Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossaamar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
Carlos Drumond de Andrade

Nenhum comentário: