quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A CASA EN PASSANT

Essa semana tive o prazer conferir duas peças com algumas características semelhantes: tinham o mesmo ator e diretor como protagonistas: Jadeilson Feitosa. Falar do Jadeilson é falar de um ator versátil, mil talentos, que vi estreiar. Aliás, estreiamos com a mesma peça, “O Pesadelo”, se não me engano, mas com anos de diferença. Bem, levei 2 anos para ver a casa e me surpreendi muito com o trabalho de corpo do elenco e a versatilidade da dramaturgia em contar as histórias da Natércia Campos. Gostei muito. “En passant” é um caso especial. Não sei se foi estréia, nervosismo, mas não gostei. Será que faltavam algumas coisas? O figurino do Yuri parecia com o de “Se arrependimento matasse”. Coincidência? Não sei. O terno do Jader estava com ombros muito largos. Mas acredito que tudo é ajuste. Irei ver de novo. Agora, o texto está en passant. Tem quase que ter legenda para a gente entender a solidão daquele casal numa noite, em várias noites. Se não fosse ter lido a história no programa, a história seria mais confusa do que foi. O texto lembra muito outro argentino chamado “Pas de Deux”. Não senti a emoção que esperava. Espero ainda sentir.Ainda bem que não sou maioria. Eu acho.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Blackout

Ontem, ao acaso, fui assistir a um espetáculo do Centro Nacional de Dança Contemporânea de Angers, na Bienal de Dança. Era um espetáculo disputado, como conferi depois. Mas chegando ao teatro, vi as portas do mesmo se fechando e corri para entrar. Seriam duas sessões de MÚ A. Fiquei ansioso. Apenas 60 espectadores. Eu fui um dos últimos. Sem câmeras, sem celulares, sem medo, tudo escuro. Um breu total. Lembrei-me dos meus tempos de criança no Acre quando a luz ia embora. Éramos 60 espectadores e além da escuridão abissal, havia o calor. E nada de vermos nada, nada, nada. Apenas um violoncelo. Minutos pareciam eternidades. Aos poucos, mas muito pouco, fomos enxergando um vulto branco. O espetáculo nesse ponto já estava me incomodando. A luz, ou melhor, uma réstia dela, foi surgindo e o ballet tornando-se mais claro, mais significativo. No fim, podemos ver a bailarina. Fiquei pensando. Não era algo que despertasse muitos amores mas gostei da loucura. Faz-nos pensar na escuridão que vivemos e nas negras pessoas que somos obrigados a conviver. Sai querendo luz. Encontrei outra fila lá fora. Nem sabia bem o que dizer. Blackout

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Dores das dores



A casa, ou melhor, os restos dela, não era aberta há anos. Um cheiro de morfo dominava todo o ambiente. Cheiro do passado. Maria das Dores empurrou a porta e quase sufoca-se com o ar morto há anos. Puxou um lenço da bolsa e protegeu o nariz. Foi aos poucos percorrendo os cômodos e a memória. Abriu as janelas. O sol foi dissipando as trevas. Em cada ambiente viu um fantasma. Havia um banco velho. Sentou-se. Era o banco de sua avó. Avó que fora massacrada pelo seu avô, assim como todas as mulheres de sua família foram massacradas por seus maridos e homens, donos absolutos de seus corpos e mentes. Ela fora massacrada por vários homens.O corredor dava na cozinha. Dorinha menina, se viu brincando naquele espaço, ouvindo os ruídos do pai montado em sua mãe, que chorava sempre naqueles momentos. Ela não entendia, naquele tempo, que o pai maltratava a mãe no sexo quando fechavam-se no quarto. A mãe sempre dizia que não era nada às crianças. As marcas sempre denunciavam o contrário e Dorinha só começou a entender melhor quando o pai começou a tocar em suas formas e a mãe apareceu cheia de marcas roxas. Lágrimas rolaram e misturaram-se à poeira que trouxera da estrada no caminho. Os gritos das irmãs sendo abusadas na noite e o choro da mãe a angustiaram mais. Suas irmãs eram mais velhas. Fugiram de casa numa noite. Levavam somente a roupa do corpo e a coragem. O paradeiro ninguém sabe, ninguém viu. Talvez tenham ido para a estrada e pegaram carona no destino, como ela mesma fizera anos depois. Passado chegando. Levantou-se e foi até a sala. Debrussou-se na janela da sala, onde ficava espiando o pai bêbado voltar, para esconder-se com as irmãs no quintal. Ouviu os gritos, seus gritos de socorro, sendo arrastada para a cama da mãe, que a encontrou ainda ensangüentada, em estado de choque aos 11 anos. Não era nem moça e a menstruação nem chegou a vir. Só meses depois da barriga E a barriga cresceu. A vergonha calada no signo do medo. Os meses sem sair de casa, longe dos olhares estranhos e curiosos. A dor. Dorinha gritando, sendo partida ao meio e a criança que nasceu morta. Morta de dores. Um lindo bebê que não sobrevivera a sua origem. O filho que das Dores perseguiu a vida inteira, nas mãos dos muitos homens que teve, primeiro nas estradas, depois nas casas. Nada foi previsto quando a mãe mandou-lhe embora. Não queria ir, apesar de tudo. A mãe fez-lhe uma trouxa e mandou seguir o caminho das irmãs. Que procurasse por elas e mandasse notícias. Busca inútil. Dona Maria das Chagas nunca reviu. Nos anos em que Dorinha virou Dora, escreveu , mandou endereço e nem mesmo quando o pai morreu bêbado e afogado, a mãe quis ainda continuar naquela casa perdida no sertão e não foi morar com a filha. Passaram 20 anos. Os parentes mantiveram a casa. A saudade da mãe e das irmãs eram terríveis. Não tinha mais ninguém no mundo. Todos morreram. Talvez suas irmãs estejam mortas também. Estava vendo-as também. Via todo mundo na sala como antes quando a mãe fazia renda de bilro. Um dia estaria morta e também ali, naquela sala. Apenas um fantasma do passado. De volta pra casa.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Medos

Tem dias que acordamos nublados. Hoje o dia acordou nublado. Literalmente. Ando cansado. Uma canseira de algumas coisas. Queria poder mudar mas hoje fui remetido ao tempo de Blumenau. Não consigo ter boas recordações daquele lugar. Queria que meus amigos não vivessem lá. Queria que fosse eternamente sol, trazer todos eles, e ficar na praia ate o sol da meia da noite, rindo a toa. Impossível. Ando frágil. Vulnerável. Lembranças estão numa constante. Viver e morrer em Fortaleza. Ainda bem. Morte não me trás medo. Somos imortais. Uns mais medrosos que os outros. Mas eu não tenho medo. Não o medo da morte. O medo da vida.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

ÁGUA

O que torna alguém especial? Passei o fim de semana pensando, pensando. Pequenos gestos são muito importantes. Uma pequena gentileza, uma delicadeza., ou grandes gestos. Mas é raro hoje vermos grandes. Os pequenos são os que me preenchem completamente. Um dia, alguém que eu nem conhecia muito, me trouxe uma garrafa de água. Uma gentileza. Bebi a água pela atenção pois era uma marca de água que eu não beberia normalmente. E fiquei pensando dias, e já fazem meses. Meses de desejo por água, por uma água,e nem sempre bebemos o que queremos, mas sim o que nos é oferecido. Esse fim de semana, bebi um pouco de tudo. Bebi uma água muito saborosa. Muito mais difícil que Perrier ou Evian. Foi a água dos deuses.